Estes são os desejos do
Zé Povinho
Há rituais que se repetem em determinadas épocas do ano e depois se esquecem até ao ano seguinte, quando se volta a repescar a ideia. No Natal são muitas as individualidades que se lembram da pobreza existente, fazem discursos piedosos, aparecem em almoços e jantares promovidos por organizações que estão sempre no terreno, com um ar compungido, e logo se retiram para os salões dos palácios ou casinos que se habituaram a frequentar.
Em Inglaterra foi notícia um príncipe que passou uma noite debaixo duma ponte, pretendendo assim demonstrar que a sua preocupação vai além dos habituais discursos e eventos de caridade. Por cá, como disse, os altos dignitários ficam-se pelas fotografias de ocasião ou pelos discursos perante as câmaras de televisão, enquanto que no resto do ano apenas têm o nome ligado a comissões de honra de entidades caritativas, o que é chique.
Este ano foi particularmente mau para quem vive, ou vivia, do seu trabalho por conta de outrem ou mesmo por conta própria porque a crise acabou com muitos sonhos e com muitos projectos de muita gente.
Não creio que 2010 seja substancialmente melhor do que este ano, mas continuarei a admirar e a colaborar nos meus tempos livres, com as organizações para quem a preocupação com a miséria do nosso semelhante são uma causa permanente.
Há muito que se pode fazer, assim haja vontade e consciência cívica.
Recebi umas quantas mensagens sobre a minha opinião sobre alguns patrões que não demonstram ter consciência social, e sobre governos que não sabem que o equilíbrio entre o capital e o trabalho é essencial para que exista paz social e um clima de cooperação entre os dois campos.
Um determinado comentador reitera a licitude do desejo e da procura de lucro quando se investe. Não percebi a indirecta porque nunca coloquei em causa essa premissa, e porque nunca advoguei que coubesse ao patronato determinar como se deve redistribuir a riqueza com os instrumentos que só ao Estado estão atribuídos.
Não gosto que me perguntem se simpatizo com este ou com aquele grupo empresarial, com este ou com aquele investidor, porque como não os conheço pessoalmente as críticas que eu possa fazer nada têm de pessoal, já que me limito a emitir opinião sobre os factos conhecidos.
Sou contra a mesquinhez dos que vieram a terreiro dizer que 25 euros de aumento era ruinoso para algumas empresas, sou absolutamente contra os que pretendem aumentar horários para as 60 horas, sem qualquer encargo para as empresas (portanto sem remuneração extraordinária para os empregados), aproveitando as situações precárias que praticam e as vantagens fiscais de que beneficiam sistematicamente, para forçarem o acordo sem alternativa que não seja o desemprego a curto prazo.
A época é de concórdia, por isso cada um use a sua cabeça e decida se prefere que os mais fortes ditem as leis, ou se pelo contrário acha que cabe ao Estado manter os equilíbrios necessários para que seja assegurado a todos uma qualidade de vida aceitável e digna.
Enquanto ouvimos o patronato a queixar-se do aumento de 25 euros do ordenado mínimo nacional, aludindo a elevados custos de produção, o poder de compra dos portugueses diminui, estando agora 24% abaixo da média europeia.
A aposta dos nossos empregadores na desvalorização do factor trabalho, aliada à falta de regulação e mediação dos governos, que vão deixando que o desequilíbrio de forças entre o capital e o trabalho seja tão grande que os primeiros ditam as leis e aos outros não resta senão obedecer sob pena de desemprego garantido, é uma aposta falhada.
Nunca competiremos com os países do Oriente à custa dos salários baixos, mas há por aí muito teimoso, pouco inteligente, diga-se. Não se ganha credibilidade forçando a baixa dos salários, alegando altos custos de produção, enquanto os nossos parceiros pagam mais 20% em média aos seus trabalhadores e praticam salários mínimos de 750 euros e mais.
Será que o patronato nacional sabe que existem outros factores que encarecem a produção para lá dos salários dos trabalhadores?
A notícia mais difundida e consultada em alguns sítios da Internet, no domingo à noite, era a da agressão a Sílvio Berlusconi, que segundo dizem foi atingido no rosto com um murro que o levou ao chão ensanguentado, razão para ser conduzido ao hospital. Acontece que o episódio se deu enquanto dava autógrafos.
Por cá já há quem fale num “orçamento banana”, ou seja com o apoio do PSD em troca de mais uns dinheiros para a Madeira. Depois do “orçamento Limiano” vem o “orçamento banana”, com toda a certeza uma originalidade nacional que prestigia a produção nacional.
Porque há frases que quase nunca associamos a certas pessoas, eu saliento a afirmação de Alberto João Jardim que defendeu que o “diálogo não é sinónimo de fraqueza” , precisamente em defesa dos interesses da região.
Positivo – Seis órgãos da Basílica do Convento de Mafra, devidamente restaurados por Dinarte Machado, vão voltar a tocar em conjunto, facto de que não há memória nos últimos dois séculos. A estreia deve acontecer durante um concerto de Natal e servirá para se perceber o efeito sonoro do conjunto de órgãos históricos agora plenamente operacionais.
Negativo – Apesar dos anúncios da abertura do novo Museu da Língua Portuguesa, em 2010, e do começo das obras do novo Museu Nacional dos Coches, em Janeiro de 2010, continuam a persistir as dificuldades de financiamento da Cultura, que têm adiado obras de manutenção e conservação de diversos equipamentos culturais da área do Património, que são perfeitamente visíveis, bastando lá ir para o constatar de imediato. Veremos o que vai conseguir a nova ministra, ainda que não se esperem milagres.
Duvidoso – Segundo a senhora ministra da Cultura o Museu de Arte Popular vai voltar a funcionar em 2010 no mesmo espaço físico utilizado desde a grande Exposição do Mundo Português. Considerando a degradação do espaço em referência, não nos parece que isso seja praticável, pelo menos com as condições de dignidade exigidas pelo espólio em causa.
Magalhães – Como devem ter percebido é o nome do computador que orgulha José Sócrates, mas para espanto deste tuga, e apesar de Mário Lino ter admitido ter retirado 180 milhões à Acção Social Escolar para pagar contas referentes a esta caixinha azul, ainda não ouvi uma palavra do nosso 1º ministro a explicar o assunto.
A gestão privada – Houve quem tivesse “empolado” as virtualidades da gestão privada na tentativa de denegrir a gestão pública, que pode ser tão competente e eficaz como qualquer outra já que depende essencialmente dos gestores escolhidos. Coloquei propositadamente o “essencialmente” porque a gestão pública pode, e é, frequentemente prejudicada pelas directivas políticas e pela burocracia frequentemente inútil. O problema do diagnóstico errado e apressado da excelência da gestão privada começa a perceber-se pelos resultados alcançados na Saúde, nas Obras Públicas, na Energia e até na Cultura, quando chegam as contas para saldar.
A humanidade começa a aperceber-se de que o tipo de desenvolvimento económico seguido nas últimas décadas é errado, insustentável e capaz de conduzir a humanidade ao caos e à extinção, mesmo antes do planeta ficar inabitável.
Da luz solar, virtualmente inesgotável, a energia que usamos começou a basear-se nos combustíveis fósseis, e o desenvolvimento possível parecia estar à disposição do homem, o aumento da população foi uma realidade, e com ele a exploração intensiva dos solos, dos minerais, da água e de tudo o que a sociedade ia exigindo.
O erro foi descoberto há décadas, e os alarmes de que os combustíveis baratos eram finitos surgiram, mas foram colocados na gaveta porque esse é o destino das notícias que possam perturbar o mercado e o lucro. O planeta constantemente agredido pelo desenvolvimento selvagem, começo também ele a enviar os seus alertas bem visíveis, as alterações climáticas ficaram evidentes, as catástrofes aumentaram, e muitos outros sinais estão aí para que cada um de nós se detenha para pensar no futuro dos nossos filhos e netos.
A fome, disso não tenham dúvida, será a primeira praga a assolar as criaturas deste planeta, e como parceiros desta praga surgirão as epidemias e pandemias, bem como as convulsões sociais. Será que já todos se detiveram um pouco a pensar neste problema?
A crer nas notícias José Sócrates terá trocado de telemóvel ao mesmo tempo que Armando Vara, e isto aconteceu porque este foi avisado que estavam a ser alvo de escutas. Se isto for verdade lá se vai a espionagem pelo cano e o robalo toma contornos de peixeirada.
Quando as coisas começam a ficar feias para alguns dos nossos políticos surgem logo notícias desfavoráveis que atingem os seus adversários, e eis que ficamos a saber que as contrapartidas dos helicópteros e dos submarinos afinal foram apenas um engodo e que foram todos enganados pelos fornecedores e intermediários.
Pouco interessa saber quem são as empresas envolvidas, se são do regime actual ou de algum anterior, a verdade é que os contratos, creio que cinco, entre a Estradas de Portugal e empresas de construção foram chumbados pelo Tribunal de Contas, por este considerar que são lesivos para o Estado.
Espanto mesmo só quanto ao conceito de mentira. Fiquei sem saber se Sócrates mentiu quando disse desconhecer qualquer negócio envolvendo a PT e a TVI por via da PRISA, ou se mentiu quando disse que formalmente o que dissera era verdade, embora particularmente já lhe tivesse constado algo sobre o assunto.
Depois dos casos conhecidos de suspeitas de diversos tipos de corrupção, e do alarido mediático em torno dos processos e dos indivíduos envolvidos, esperava-se que os políticos tivessem um comportamento adequado às circunstâncias.
Ontem discutiu-se na Assembleia da República esta problemática e foram apresentados diversos projectos para se evitar a corrupção e visando castigar os protagonistas. Sabe-se que as leis devem ser bem discutidas e melhor estruturadas, o que necessita de algum tempo, mas aquilo que se quer evitar e punir, não é difícil de identificar e nomear.
O cidadão comum tem fundadas razões para continuar preocupado com a situação, porque o acordo do PS com uma proposta do PSD para a criação de uma comissão eventual para o combate à corrupção é uma maneira conhecida para deixar tudo como está, enquanto se discute o sexo dos anjos.
Os partidos do poder lá sabem porque é que chegam a este acordo, quando parece ser consensual que todos querem acabar com a corrupção e os corruptos.
Será que estou enganado?
O Zé Povinho até pode ser um indivíduo patusco e inofensivo, que não faz mal a ninguém nem se interessa por assuntos complexos, vivendo modestamente a sua vidinha tentando passar despercebido, não vá o diabo tece-las.
Quando senhor Vieira da Silva mencionou a existência de “espionagem política”, o Zé imaginou logo um fulano tipo James Bond, pertencente ao ministério público, com uma brasa ao lado a degustar um Martini. Que querem, eu sou um simples!
Hoje ouvi o mesmo Vieira da Silva a dizer que usou aquela expressão de “espionagem política” conscientemente, porque tudo se tratou de uma “lamentável violação do segredo de justiça”. Temos então que enquanto ministro o cidadão Vieira da Silva tem as suas responsabilidades, já na pele de cidadão a expressão “espionagem política” insere-se no seu direito de “liberdade de expressão”.
Com o advento da “crise financeira” que assolou os mercados, houve quem viesse a falar grosso dizendo que a nossa banca era segura, que a crise não tinha grande dimensão no nosso país, e que os produtos (financeiros) tóxicos, de alto risco na terminologia bancária não eram negócio típico da nossa banca.
Afinal tivemos os casos BPN e BPP, com a nacionalização do primeiro e o aval dado ao segundo, tudo a bem da economia nacional devido ao tal risco sistémico, que nunca explicaram devidamente.
Não sei se estamos a falar de casos de burla, ou pelo menos má gestão destas instituições bancárias, porque a nossa Justiça tem critérios que por vezes eu não quero sequer entender, mas o que é certo é que alguém vai ter que pagar o pato, que é como quem diz, arcar com os prejuízos.
A minha preocupação vai para o facto de ouvir Teixeira dos Santos assumir que desconhece o custo da nacionalização do BPN. Venha alguém que me explique como é que um ministro das Finanças decide nacionalizar um banco, sem primeiro se inteirar da sua situação financeira, e como é que um ano depois decide alienar o mesmo banco sem ter uma ideia concreta sobre o seu valor efectivo.
Senhor ministro das Finanças, eu não quero saber de palpites nem adivinhações, mas creio que é possível fazer-se um balanço de activos e passivos e calcular com uma margem de erro razoável o valor real aceitável para uma licitação justa. Vamos ver se afinal é verdade o que dizem sobre o senhor, ou não, que será um dos piores ministros das finanças da União Europeia.
Segundo li nas notícias, uma funcionária bancária alemã, fez o papel de Robin dos Bosques e compôs as contas de vários pobres com dinheiro resultante dos lucros de clientes muito ricos. Saliente-se que não se apoderou de um cêntimo de quem quer que fosse, limitando-se a fazer uma redistribuição que considerava mais justa.
O procedimento foi condenado, com uma pena suspensa e com a obrigação da restituição das verbas desviadas, estando agora a funcionária reformada, auferindo a reforma mínima, revertendo o restante para o tribunal para pagamento do dinheiro desviado.
Ainda na Alemanha foi constatado que a destruição pelo fogo de viaturas topo de gama, que têm sido atribuídas a extremistas de esquerda, tem aumentado e revelam um aumento do descontentamento com a situação económica e a má distribuição da riqueza, não se lhe podendo atribuir quaisquer motivações políticas.
As desigualdades podem vir a resultar em convulsões sociais e não creio que o espectáculo seja bonito de se ver.
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POEMA PARA GALILEU
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!"
António Gedeão, in Linhas de Força
Nos últimos anos começou a tornar-se evidente que todos os estratagemas para cortar nos custos com o pessoal iriam ser tentados por alguns gestores e patrões, muitas vezes sem qualquer lógica ou estratégia que pudessem redundar em mais produtividade, ou uma baixa de custos sem perda da qualidade.
Todos os que estamos ainda no mundo laboral conhecemos casos desta tendência cujos resultados têm sido negativos mas que satisfazem a vaidade e a bolsa de alguns indivíduos cujo futuro se limita a muito curto prazo e para quem as pessoas não passam de artigos descartáveis.
Por cá tivemos um hino de funcionários de uma autarquia (Portimão), lá fora as notícias de suicídios em empresas onde a gestão de pessoal é apenas um exercício de prepotência, ou os casos em que algumas vítimas de despedimentos acabam por cometer crimes e assassinatos claramente ocasionados pelos sentimentos de revolta, não podem ser simplesmente ignoradas como se não tivessem sido originadas por descontentamentos que se revelam de formas mais ou menos graves, mas que se revelam de alguma forma.
O lucro, a crise, a economia, não podem ser desculpas para se ignorar os impactos negativos que as sociedades podem causar nos seus cidadãos e para os quais devem estar devidamente preparadas e com planos de ajuda aos que por contingências da vida são menos afortunados.