Nas legislativas os cidadãos são chamados às urnas para escolher um partido, que no caso de recolher mais votos é convidado a indicar um nome para o lugar de 1º ministro. A escolha, em princípio, é feita pelo escrutínio do programa eleitoral dos partidos, apresentados ao veredicto popular.
Claro que da teoria à prática vai uma grande distância, porque não há garantias nenhumas de que os eleitos venham a cumprir as promessas com que se apresentaram ao escrutínio eleitoral.
José Sócrates dizia antes das últimas eleições:
“Aumentar os impostos? Era só o que faltava. Numa altura em que o país enfrenta uma crise destas, acha que proporia aumentar os impostos?”
“Acabar com as deduções fiscais conduziria a um aumento fiscal brutal para a classe média”.
Como é fácil de compreender, o que antes era verdade hoje é mentira. É muito difícil de engolir que uma democracia possa coexistir com políticas que são o contrário do que foi sufragado, e que a oposição não apresente uma moção de desconfiança, e que o Presidente da República esteja à espera do Parlamento quando o programa que mereceu a confiança do povo não está a ser respeitado.
A política é uma actividade nobre, o mesmo não se pode dizer de quem está na política e actua deste modo.
Ode à Mentira
Crueldades, prisões, perseguições, injustiças,
como sereis cruéis, como sereis injustas?
Quem torturais, quem perseguis,
quem esmagais vilmente em ferros que inventais,
apenas sendo vosso gemeria as dores
que ansiosamente ao vosso medo lembram
e ao vosso coração cardíaco constrangem.
Quem de vós morre, quem de por vós a vida
lhe vai sendo sugada a cada canto
dos gestos e palavras, nas esquinas
das ruas e dos montes e dos mares
da terra que marcais, matriculais, comprais,
vendeis, hipotecais, regais a sangue,
esses e os outros, que, de olhar à escuta
e de sorriso amargurado à beira de saber-vos,
vos contemplam como coisas óbvias,
fatais a vós que não a quem matais,
esses e os outros todos... - como sereis cruéis,
como sereis injustas, como sereis tão falsas?
Ferocidade, falsidade, injúria
são tudo quanto tendes, porque ainda é nosso
o coração que apavorado em vós soluça
a raiva ansiosa de esmagar as pedras
dessa encosta abrupta que desceis.
Ao fundo, a vida vos espera. Descereis ao fundo.
Hoje, amanhã, há séculos, daqui a séculos?
Descereis, descereis sempre, descereis.
Jorge de Sena, in 'Pedra Filosofal'