A notícia da captura de Gungunhana
chegou a Lisboa quando o prisioneiro desembarcou em Lourenço Marques (actual
Maputo).
O “telegrama
importante” desse dia 4 de janeiro de 1986, enviado ao secretário particular do
rei, chegou logo ao DN: “Peço honra apresentar com minhas homenagens,
entusiásticas felicitações a sua majestade pela prisão de Gungunhana e seu
filho Godide, levada a efeito pelo valente Mouzinho.” Em março, o jornal anotou
no dia da sua chegada “à vista em Cascais”: “O Gungunhana chega a Lisboa numa
sexta-feira 13, dia de bem mau agouro para ele, posto que de ótimo auspício
para nós.”
Gungunhana, mítico imperador de Gaza,
foi capturado a 28 de Dezembro de 1895
num ataque surpresa das forças comandadas por Mouzinho de Albuquerque à
povoação sagrada de Chaimite. A operação culminou um ano de combates –
Marracuene, Magul, Coolela – por tropas expedicionárias enviadas para
Moçambique com o objectivo de capturar o chefe tribal dos vátuas. Essenciais
nessas vitórias foram as novas armas de repetição – espingardas e carabinas com
capacidade para oito tiros de calibre 8mm – e a táctica do quadrado, evitando a
luta corpo a corpo com os temíveis guerreiros vátuas e concentrando o poder de
fogo. A decisão de derrotar o Leão de Gaza reflectiu o endurecimento da política
portuguesa no quadro das chamadas campanhas de conquista e pacificação,
iniciadas uma década antes. Gungunhana ascendeu ao trono em 1894, ano em que a
Conferência de Berlim dividiu o continente africano entre as potências
coloniais. Com a ênfase posta no direito de ocupação, cresciam as pressões
sobre os territórios de Portugal na África Austral. Na sequência da sua
proposta do Mapa Cor-de-Rosa, ligando Angola e Moçambique, a Inglaterra
contrapôs em 1890 um ultimato: ou Lisboa abandonava o projecto ou entrava em
guerra com Londres. Gungunhana jogou com essa rivalidade para manter a
independência de um império que sofria a pressão invasora dos europeus. Essa
mesma pressão de ingleses e alemães, que levara Lisboa a defender a pacificação
dos seus territórios pela via militar, acentuou-se em Moçambique após o acordo
de fronteiras estabelecido em 1891 com a Inglaterra e que deixara Gaza dentro
daquela colónia. A recusa de Gungunhana em assumir-se como súbdito da coroa
portuguesa, a par dos ataques contra colonos e povos locais sob protecção de
Lisboa, levaram Mouzinho de Albuquerque para Lourenço Marques com o objectivo de
o eliminar. A sua captura permitiu recuperar da humilhação causada pelo
Ultimato britânico, sendo alimentada nas décadas seguintes como ato heróico do
oficial de cavalaria – embora vozes isoladas o qualificassem como crimes de
guerra pelas leis castrenses de então. Gungunhana, enviado para Lisboa, viu-se
passeado – com as sete mulheres, escandalizando os católicos – e exibido para
gáudio de todos. Deportado para os Açores, foi convertido, alfabetizado e
integrado na sociedade da Terceira, onde morreu 11 anos depois (1906). Em 1985,
o agora herói da resistência moçambicana foi trasladado para a Fortaleza de
Maputo – onde está a estátua de Mouzinho erigida na antiga Lourenço Marques.
MANUEL
CASTRO FREIRE
Nota: Este
texto foi retirado do DN de 30/07/2014
Gungunhana e suas sete esposas em Lourenço Marques actual Maputo ( Foto de The Delagoa Bay Review)