Quando em 1976 vim para Portugal
com dois filhos nos braços, por não ter condições de segurança para continuar
na minha terra, Moçambique, não fui lá muito bem recebido.
Instalei-me numa zona de Lisboa,
e fui imediatamente trabalhar porque tinha vindo com uma mão atrás e outra à
frente, e as crianças necessitavam de comer e eu não tinha feitio para estender
a mão, ou enfrentar filas intermináveis para implorar ajuda.
Recordo-me bem de um jovem que
frequentava um café perto da minha porta, com uma barba ainda mal plantada,
cabelo grande e de fita na cabeça, quando não usava a boina à Che, que se
entretinha a insultar “os colonialistas” que tinham ido explorar os povos
indígenas, esquecendo-se que África era dos negros. Nunca perdi muito tempo com
as parvoíces de quem falava do que não sabia, porque não valia o esforço.
Quarenta e tal anos depois, eis
que me cruzo com um homem abatido, que aparentava ser bastante mais velho do
que eu, e que clamava contra o governo, por não ter ainda conseguido ajuda,
pedida há mais de uma semana, porque tinha vindo da Venezuela a fugir da
instabilidade política e da violência das ruas.
Conversa puxa conversa e lá
surgem as recordações, e reconheço neste homem vergado à dureza da vida, o tal
jovem revolucionário que não poupava nas palavras para atacar “os retornas”
como ele dizia.
Senti pena do João, é esse o seu
nome, porque voltou para a sua terra onde já não tem família, uns morreram de
velhos, outros de excessos com drogas, de que ele escapou, e resta-lhe a
família da mulher que os acolheu em sua casa. Sei que tem esperança de voltar à
Venezuela, mas também sei que já nem se recorda do que disse há quarenta e tal
anos, e nem sequer me passou pela cabeça recordar-lho.
Os tempos mudam e mudam também as
pessoas, é a lei da vida…
1 comentário:
Férias interrompidas por uns dias, eis-me de visita aos amigos
Como dizia minha avó "Não te rias do teu vizinho, que o mal vem-te no caminho.
Um abraço
Enviar um comentário