terça-feira, abril 30, 2013

SENTIMENTO DEPRESSIVO



Eu nem sou um entusiasta dos inquéritos sobre a qualidade de vida, que geralmente são pedidos por entidades com interesses em determinados resultados, mas vou seguindo os resultados que vão sendo conhecidos.

Foram agora divulgados os resultados dum novo inquérito sobre o consumo na Europa e nos EUA, que veio confirmar aquilo que todos sentimos na pele: os portugueses “estão preocupados com a recessão que o país está a viver, com a elevada taxa de desemprego e com as medidas de austeridade.”

O resultado foi claro, os portugueses são os que registaram a mais baixa disposição para comprar, a perspectiva mais negativa em termos de melhoria económica, e a segunda mais baixa expectativa de rendimentos.

Para piorar as coisas este inquérito foi feito antes de se conhecerem os contornos das alterações do Orçamento de Estado de 2013, antes de serem conhecidas as perdas das empresas públicas com os swaps contratados, e antes de serem conhecidas as novas medidas para reduzir os 4 mil milhões de euros que Vítor Gaspar e Passos Coelho desencantaram, fora do OE apresentado em finais do ano passado.

O país está deprimido, e pior ainda, está descrente quanto a resultados de tamanha austeridade, que em dois anos apenas gerou mais desemprego, menores rendimentos do trabalho e aumento colossal da dívida pública.



segunda-feira, abril 29, 2013

O DINHEIRO



O dinheiro é tão bonito,
Tão bonito, o maganão!
Tem tanta graça, o maldito,
Tem tanto chiste, o ladrão!
O falar, fala de um modo...
Todo ele, aquele todo...
E elas acham-no tão guapo!
Velhinha ou moça que veja,
Por mais esquiva que seja,
                            Tlim!
                            Papo.

E a cegueira da justiça
Como ele a tira num ai!
Sem lhe tocar com a pinça;
E só dizer-lhe: «Aí vai...»
Operação melindrosa,
Que não é lá qualquer coisa;
Catarata, tome conta!
Pois não faz mais do que isto,
Diz-me um juiz que o tem visto:
                            Tlim!
                            Pronta.

Nessas espécies de exames
Que a gente faz em rapaz,
São milagres aos enxames
O que aquele demo faz!
Sem saber nem patavina
De gramática latina,
Quer-se um rapaz dali fora?
Vai ele com tais falinhas,
Tais gaifonas, tais coisinhas...
                            Tlim!
                            Ora...

Aquela fisionomia
É lábia que o demo tem!
Mas numa secretaria
Aí é que é vê-lo bem!
Quando ele de grande gala,
Entra o ministro na sala,
Aproveita a ocasião:
«Conhece este amigo antigo?»
— Oh, meu tão antigo amigo!
                            (Tlim!)
                            Pois não!


João de Deus



domingo, abril 28, 2013

BOCAGE



Tendo o terrível Bonaparte à vista, 
Novo Aníbal, que esfalfa a voz da Fama,
 "Oh capados heróis!" (aos seus exclama 
Purpúreo fanfarrão, papal
sacrista):

 "O progresso estorvai da atroz conquista
 Que da filosofia o mal derrama?...
" Disse, e em férvido tom saúda, e chama, 
Santos surdos, varões por sacra lista: 

Deles em vão rogando um pio arrojo, 
Convulso o corpo, as faces amarelas, 
Cede triste vitória, que faz nojo! 

O rápido francês vai-lhe às canelas; 
Dá, fere, mata: ficam-lhe em despojo
 Relíquias, bulas, merdas, bagatelas. 


FOTOGRAFIA
By Palaciano

sexta-feira, abril 26, 2013

COMPETIR?



Quando nos falam de globalização e de competitividade, os grandes responsáveis deste país elegem os encargos com salários como o alvo de cortes preferido.

A máscara de reforma laboral e de reforma das funções do Estado tem sido as mais frequentes para justificar os cortes salariais e os despedimentos que se têm sucedido. O país atingiu já níveis de desemprego recorde, que se têm revelado insustentáveis para a Segurança Social.

Afinal com quem querem competir os responsáveis deste país? Será que é com a China, onde ainda há quem trabalhe por um prato de comida, ou será com o Bangladesh onde existem fábricas a laborar em condições tão precárias como as que se têm conhecido nos últimos dias?

Importa esclarecer que não é defensável competir pela via salarial, até porque nos dizem que estamos na Europa, onde os salários são em regra muito superiores aos aqui praticados. Será talvez pela qualidade e pela organização, o que está sobretudo nas mãos dos empresários e do Estado. 

Será que os empresários e o Estado estão dispostos a tornar Portugal competitivo? Como é que o pretendem fazer?



quinta-feira, abril 25, 2013

25 DE ABRIL



O Povo está Divorciado da Cultura

O povo está divorciado da cultura, e encolhe-se cada vez mais na sua fome e na sua ignorância. Somos nós, os que saímos dele e o queremos verdadeiramente servir, que temos o dever de o procurar, de o esclarecer, de o interessar activamente na sua própria salvação. Que lhe importam os grandes livros, se ele os não pode nem sequer ler? Que lhe importam as grandes sinfonias, se ele as não sabe ouvir? é urgente chamar o povo à realidade nacional. É preciso interessá-lo de verdade no processo social, onde ele tem o único papel que conta.
— Para isso?...
— Convidá-lo desde já a votar livre e claramente. Chamá-lo a determinar-se, a escolher os seus homens, a responsabilizar-se no seu destino,
— Esse destino é?...
— O destino de todos os corpos vivos: crescer, multiplicar-se, procurar a felicidade, e deixar no seu caminho uma nítida e aberta marca de compreensão e de amor.


Miguel Torga